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Terminologia imprópria da legislação dificulta a boa decisão judicial

Jusprev
9 de novembro de 2012
A Revista Fundos de Pensão publicou em sua edição nº 381 de Julho/Agosto de 2012, a matéria “Terminologia imprópria da legislação dificulta a boa decisão judicial”, que aborda sobre os equívocos jurídicos cometidos por desinformação por parte dos operadores do direito, quanto ao sistema de previdência privada brasileiro. Confira abaixo a matéria na íntegra.
Por Magali Cabral de Almeida
 “Será preciso demonstrar ao judiciário o equívoco da Súmula. Demonstrar que ela se aplica eventualmente às entidades abertas e não às entidades fechadas”.
Litígios em que participantes, ou assistidos, reclamam mais recursos ao seu plano previdenciário e ganham a causa foram avaliados pelo Judiciário como sendo de natureza comutativa, isto é, de participante contra a EFPC. No entanto, a relação jurídica na previdência privada fechada não é dual, de A contra B. Ela é, sim, de um participante contra os seus pares, que formam o conjunto de beneficiários de um plano de benefícios.
Segundo o desembargador federal do Tribunal Federal Regional da 3° Região, José Marcos Lunardelli, litígios em previdência privada fechada têm de natureza distributiva. “Para obter decisões acertadas, é preciso evidenciar ao Judiciário a natureza plurilateral desses conflitos, em que todo o grupo pode ser prejudicado, uma vez que as EFPC nada mais são do que gestoras desses recursos numa relação sem fins lucrativos”. Em entrevista com a Fundos de Pensão, o desembargador José Lunardelli, um observador do sistema de previdência privada, avalia alguns equívocos jurídicos cometidos por desinformação por parte dos operadores do direito. Ele comenta, entre outros assuntos, os casos da Súmula 321, que faz incidir o Código de Defesa do Consumidor (CDC) nas relações entre participantes e EFPC, e o da jurisprudência que equipara os fundos de pensão às instituições financeiras, submetendo-os, portanto, à Lei 7.492/86 que tipifica crimes financeiros. Na opinião de Lunardelli, a terminologia utilizada no universo da previdência complementar fechada não ajuda a esclarecer tais equívocos. “Parece que não, mas o nome que se dá às coisas tem grande relevância quando se trata de interpretar conflitos”, informa.
Os fundos de pensão, afinal, são uma instituição financeira?
José Lunardelli – Os fundos de pensão, ou seja, as entidades de previdência complementar privada fechada não são instituições financeiras. Eles representam um conjunto de poupadores que se auxiliam mutuamente por meio dessas entidades para a consecução de uma poupança previdenciária. Eu diria que a melhor figura para descrever o fundo de pensão é um condomínio de pessoas reunidas poupando para a aposentadoria ou para receberem benefícios futuros. Eu entendo que a entidade em si nada mais é do que um gestor da poupança acumulada pelos trabalhadores de uma determinada empresa ou que tenham algum vínculo que os una. Existe jurisprudência no sentido de que os fundos de pensão são uma instituição financeira.
Portanto, eventuais desvios geram uma responsabilização penal nos termos da Lei 7.492/86 que tipifica os crimes financeiros.
Como o senhor avalia esse quadro?
José Lunardelli – Para efeitos penais eu diria que é possível essa equiparação porque os fundos de pensão são gestor da poupança alheia. Quando se dá um tratamento penal especial para as instituições financeiras há essa visão dela como um gestor de recursos alheio e um fundo de pensão, nesse aspecto, tem uma semelhança com a instituição financeira. Ele administra recursos de terceiros. Nesse ponto a equiparação é possível. Bancos também são depositários dos recursos dos correntistas e os gerencia. Então para efeitos penais talvez seja possível essa equiparação.
Para efeitos penais?
José Lunardelli – Sim, somente para efeitos penais. Outra bem diferente são efeitos civis para aplicação do Código de Defesa do Consumidor. É completamente diversa uma situação da outra. Para efeito penal, os fundos de pensão não têm uma regulamentação própria, têm somente uma regulamentação para efeito de sanções administrativas. De qualquer modo, é um bom debate essa questão. Está escrito na Lei 7.492: ‘Equipara-se à instituição financeira a pessoa jurídica que capte ou administre seguro, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo de poupança, ou recursos de terceiros’. Dessa cláusula, os fundos de pensão não escapam, pois seus administradores são gestores fiduciários de poupança alheia. De qualquer modo, o critério de equiparação não é bom. Seria melhor se especificamente a lei dissesse: aplica-se essa lei também para as EFPC.
O conceito da lei é mais aberto, mas quer dizer que os crimes definidos na lei são passíveis de serem aplicados aos administradores das EFPC em determinadas circunstâncias. Há, no entanto, grande diferença entre os fundos de pensão e as instituições natureza distributiva. “Para obter decisões acertadas, é preciso evidenciar ao Judiciário a natureza plurilateral desses conflitos, em que todo o grupo pode ser prejudicado, uma vez que as EFPC nada mais são do que gestoras desses recursos numa relação sem fins lucrativos”.
Há, no entanto, grande diferença entre os fundos de pensão e as instituições financeiras tradicionais, dada a sua finalidade de criar condições para melhorar o grau de proteção de trabalhadores na fase pós-laboral.
José Lunardelli – Sim. A Súmula 321 padece desse problema. Ela foi editada, tendo em vista, sobretudo, as entidades abertas de previdência complementar que oferecem ao mercado um produto e visam, com isso, obter uma lucratividade. É completamente diversa a situação das entidades fechadas que são apenas gestores fiduciários, que inclusive revertem eventuais superávits em benefício dos próprios participantes. Não existe aí nenhuma relação de mercado, nem de consumo. Existe tão somente uma relação de solidariedade entre os participantes.
O que pode ser feito para resolver esse tipo de incompreensão?
José Lunardelli – A única maneira de resolver isso é demonstrar o equívoco da Súmula. Demonstrar que ela se aplica eventualmente às entidades abertas. É necessário cada vez mais esclarecer, com educação previdenciária, a natureza das entidades fechadas de previdência privada.
O senhor acha possível alterar a Súmula 321?
José Lunardelli – Uma súmula não é uma cláusula pétrea, pelo contrário, muitas súmulas jurisprudenciais já foram alteradas pelo judiciário quando se percebeu que o pressuposto fático que a embasava havia se alterado, ou não tinha conformação com a realidade. Será necessário que essa questão seja suscitada, não só no mundo acadêmico, mas perante o próprio Judiciário com debates sobre a sua inaplicabilidade. Não é fácil, mas é possível. Frequentemente a jurisprudência é atualizada. Por exemplo, recentemente o STJ julgou um caso que envolvia o auxílio alimentação previsto na convenção coletiva de trabalho para os assistidos de planos de benéficos. O STJ conseguiu detectar essa natureza coletiva, solidária, mutualística e o próprio caráter distributivo do plano e julgou melhor. O senhor tem um olhar mais acadêmico sobre essas questões.
Poderia descrevê-lo?
José Lunardelli – O que eu tenho dito é que as EFPC têm um grande desafio de esclarecer os institutos jurídicos que regulam o setor, de esclarecer a essência do sistema. O fundo de pensão é uma associação de pessoas para constituição de poupança comum e essa poupança comum, sobretudo nos casos de benefício definido, é marcada pela solidariedade e pela mutualidade. Muitos litígios que ocorrem são na verdade de um participante contra os demais participantes. Embora do ponto de vista processual o litígio se apresente do participante contra a entidade, na verdade é um litígio dele contra os outros participantes. Portanto, os conflitos que envolvem participantes de um fundo de pensão são conflitos de natureza distributiva.
Ou seja, de participantes que desejam se apropriar de um quinhão maior daquele fundo de pensão?
José Lunardelli – E ao qual provavelmente eles não têm direito. Ou então o conflito é de um participante ou assistido contra os outros participantes. Embora muitas vezes o conflito assuma uma natureza bilateral, na realidade é do participante contra todos os outros participantes. Daí a necessidade de se evidenciar sempre a natureza plurilateral desses conflitos ou desses contratos, invocando uma terminologia de um autor italiano [Tullio] Ascarelli. O contrato vincula um participante aos outros participantes. Quando há um litígio disputando acesso aos recursos, ele é de natureza distributiva. Normalmente o judiciário julga litígios de natureza comutativa, quer dizer, uma relação jurídica dual, de A contra B. As relações no âmbito dos fundos de pensão são completamente diversas disso e precisam ser debatidas dentro e fora da academia. A essência da resolução dos conflitos precisa partir do pressuposto de que há um fundo comum que é composto de recursos acumulados por todos os participantes. E o participante não deve pleitear uma parte superior àquilo que ele contribuiu.
Assim como os processos que vinculam benefícios previdenciários com os contratos de trabalho?
José Lunardelli – Sem dúvida alguma. Uma coisa é o contrato de trabalho, outra é o vínculo que se estabelece no âmbito dos fundos de pensão. Esses vínculos são absolutamente distintos. A única vinculação é indireta, ou seja, é preciso haver uma relação laboral comum com uma empresa a para poder participar de um fundo de pensão que aquela empresa patrocinadora oferece aos seus empregados. Esse é o único ponto comum.
No início da nossa conversa o senhor mencionou as terminologias próprias aplicadas pelo sistema de fundos de pensão.  O senhor acha que esse conjunto de terminologias características contribui para esse precário entendimento do setor?
José Lunardelli – Eu brinco que a terminologia jurídica utilizada pela legislação não ajuda muito na resolução do litígio. Por exemplo, aquilo que seria um contrato, a legislação chama de regulamento. Regulamento, para os operadores do direito, tem sentido de um ato unilateral imposto. O que a legislação chama de regulamento do plano de benefício eu diria que é um contrato de poupança e benefícios. Esse contrato de poupança e benefícios define quanto o participante vai contribuir e em que condições poderá gozar de determinado benefício.
Por que a lei chama esse contrato de regulamento?
José Lunardelli – Na sua origem, os fundos de pensão tinham uma característica de apêndice da empresa patrocinadora. Com o tempo, o sistema ganhou autonomia, mas manteve o arcaísmo da terminologia antiga. Outro problema é que a lei faz alusão aos regulamentos, mas não de maneira sistemática. Ou seja, existe uma falta de sistematização desses conceitos no interior da própria legislação. Eles são tratados em expositivos legais distintos com o mesmo significado, o que não facilita a interpretação. O nome que se dá às coisas parece que não, mas tem relevância quando se vai interpretar conflito.
Que outros problemas o senhor vê no campo da legislação?
José Lunardelli – Os contratos de poupança e benefícios são de longuíssimo prazo e, por isso, estão sujeitos a revisões frequentes. Quando o participante ingressa num fundo de pensão deve estar ciente de que está assinando um contrato que terá de sofrer revisões para se adaptar à realidade futura, seja por mudanças econômicas, seja por mudanças nas características demográficas do grupo no qual está inserido. Acho que a conscientização do participante de que é fundamental verificar periodicamente se existem lastros no conjunto de reservas para os compromissos assumidos é um grande desafio das entidades fechadas. Outro é saber administrar as frustrações que poderão decorrer dessas revisões. Não existe nenhuma fórmula milagrosa, a não ser o esclarecimento honesto e franco do participante de que um contrato de previdência privada é marcado pela instabilidade e que precisa ser frequentemente revisto para se adaptar a realidade social e econômica vindoura.
Antes desse, os fundos de pensão já têm um grande desafio que é convencer o trabalhador a poupar parte do seu rendimento de hoje para usufruí-lo no futuro.
José Lunardelli – É verdade, todos esses alertas podem ser um desestímulo à poupança. Todas as revisões no âmbito da previdência pública ou privada são conflituosas porque podem frustrar expectativas. Embora estejam previstas em lei, as pessoas têm dificuldade de trabalhar com mudanças. Mas, o fato é que não existe cenário de perfeita estabilidade e é preciso convencer o trabalhador de que pior do que poupar e aceitar eventuais alterações é chegar à velhice sem uma poupança para enfrentar uma realidade de eventual infortúnio.
(Revista Fundos de Pensão)

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