A aposentadoria vai acabar no século 21? Essa é uma pergunta que, quase todos os dias, eu tento responder. A percepção adotada até o século 20 – com sentido de aposento, retiro [retirement], inatividade, exclusão, fragilidade – já não é mais a mesma. Isso é fato, ao menos para os países incluídos pelo capitalismo global.
Mas além da longevidade ativa, há que se considerar três aspectos relevantes nesta experiência de uso da aposentadoria do século 21:
- o custo da saúde
- a expectativa de consumo
- as reservas financeiras compatíveis para bancar o custo da saúde e a expectativa de consumo.
O custo da saúde, com indicadores próprios de inflação, é uma indústria cujo modelo – para ser democrático e sustentável – precisa ser revisto. No Brasil, o desligamento de uma empresa com plano de saúde corporativo como benefício da Política de Gestão de Pessoas, em geral, significa simultaneamente falta de acesso a soluções disponíveis e financeiramente viáveis, uma vez que os planos de saúde individuais, além de caros, são escassos em oferta.
Outro fator importante a se considerar na experiência de uso da aposentadoria: a expectativa de consumo no período de inatividade. Além das necessidades básicas – moradia, relações familiares e sociais – capital globalizado cria necessidades, especialmente com as novas tecnologias. Portanto, além de tratamentos médicos, viagens e compras – pacote básico de consumo na inatividade – há também a inclusão digital, os smartphones, a internet das coisas prevista para ser a febre de transformação de hábitos e comportamentos já nas próximas duas décadas.
São, evidentemente, realidades inimagináveis até o final do século 20, mas concretas no século 21. O que ainda não está claro é: qual será a reserva financeira necessária para bancar esse novo modelo social, considerando o valor decrescente dos benefícios da aposentadoria oficial, volatilidade nos resultados de investimentos e falta de cultura previdenciária?
Planejamento e empreendedorismo
Duas palavras serão determinantes na modelagem dos mapas mentais do século 21. As duas não são muito comuns na cultura nacional. Planejamento: o Brasil ainda ama o improviso! Ainda pautamos as decisões por impulsos. Somos despreparados para fazer cálculos. Somos indisciplinados para administrar planilhas. Valorizamos atrasos em compromissos pessoais.
Comprometemos cronogramas. Somos omissos. Empreendedorismo: ficamos perdidos com o encolhimento do mercado formal de trabalho [desemprego, desindustrialização, terceirização, automação], porque não fomos preparados para criar soluções novas, para empreender. Quem estuda empreendedorismo e inovação – como Mara Sampaio e Sílvio Meira – têm a mesma percepção em relação à cultura nacional:
“O Brasil, por um conjunto de razões históricas, culturais e econômicas, não é uma ambiente dos mais favoráveis ao desenvolvimento do espírito empreendedor. Em nosso país, a ideia de apoiar os surgimento de novos negócios é historicamente recente, e a grande maioria das pessoas que inicia um novo negócio ainda recebe pouco apoio social, familiar e institucional. Até pouquíssimo tempo atrás, a decisão de abrir um negócio próprio no país era mais determinada por uma necessidade de sobrevivência do que pelo desejo de realização, diferentemente do que ocorria em outras sociedades”.Mara Sampaio
“Mas parte dos órgãos de governo cujos serviços são críticos para inovação e empreendedorismo, ao invés de sair da frente, vem promovendo uma acelerada informatização do caos, a automatização de processos rocambolescos de um antisserviço público antigo, que atrapalha mais que ordena a economia. Incentivar os agentes econômicos, então, nem pensar. Automatizar processos em refletir sobre sua necessidade ou obrigatoriedade de um redesenho para dar conta das necessidades de novos tempos é deixar o complicado no lugar do simples. E isso torna a vida de empresas e empreendedores muito mais difícil, principalmente para os pequenos. E o resultado mais óbvio é a falta de competitividade das empresas nacionais no mercado internacional, isso quando sobrevivem à complexidade do processo de crescimento e se tornam, pelo menos localmente, sustentáveis”. Sílvio Meira
Além disso, não sem motivo, o povo tem uma aversão a risco, por motivos óbvios: não existe perdão para equívocos individuais. E a dependência é rentável para alguns segmentos. Aqui eu nem vou citar os autores. Só vou lembrar da absurda determinação interior de Thomas Edson para criar a lâmpada e transformar a sociedade. Uma de suas incontáveis explicações geniais para a determinação é: “Eu não falhei. Encontrei dez mil soluções que não davam certo”.
Num ambiente local desmotivador e de disputa, é natural que o trabalho seja mais uma experiência de tortura do que de realização. Sem vocação, a entrada no mercado de trabalho pode até ser entendida como acesso à autonomia financeira e ao consumo. Um mal necessário. E a aposentadoria, consequentemente, passa a ser uma espécie de porta de saída do inferno para chegar ao paraíso.
O trabalho de Comunicação e Educação Financeira e Previdenciária dá alguns indícios positivos sobre essa questão. As gerações mais novas estão pelo menos mais informadas sobre a importância desse reposicionamento em relação ao dinheiro. Mas atenção! Eles estão migrando para a gestão de orientações feitas por robôs e algoritmos. Para mim, isso é uma evidência de que a solução para a aversão a risco está criada!
fonte: elianemiraglia.blogspot.com.br