Educar financeiramente as crianças é mais do que ensinar a controlar a mesada
Todos os pais comentam que seus filhos possuem uma capacidade de aprender bastante ampliada na atualidade. Perguntas que nem sonhávamos em fazer quando éramos crianças agora saem das bocas dos nossos filhos sem nenhum constrangimento. Parece que tudo é muito natural e eles estranham nossas caras de espanto frente aos seus constantes questionamentos.
E quanto ao dinheiro? Devemos tratar livremente desse assunto com eles? Devemos formar poupadores e investidores desde a primeira infância? Esse assunto deve ser ensinado na escola?
Perguntas necessárias, com respostas não tão simples. Isso nos remete ao papel da educação financeira para as crianças e jovens. Quanto ao segundo grupo, não percebo muitas dúvidas nos educadores. O adolescente já é, em muitos casos, um cidadão bancarizado, que possui CPF, conta corrente ou poupança e que atua como um consumidor ou poupador na plenitude. Mas e quanto às crianças?
Recentemente, foi assinado pelo então Presidente Lula o decreto que instituiu a Estratégia Nacional de Educação Financeira (ENEF), que englobará ações educacionais para adultos, jovens e crianças ligadas ao uso consciente do dinheiro e dos produtos financeiros. O desafio é imenso num país carente de educação de boa qualidade e que possui uma população tendo acesso ao consumo e ao crédito de forma inédita em nossa história.
Mas como o assunto deve ser abordado para os pequenos? Como falar do valor do dinheiro, sua função e administração para os brasileirinhos? Depois de conduzir programas de educação financeira, constatei que falar do uso do dinheiro significa falar do consumo, explicando sua finalidade e avaliando como é tratado em nossa sociedade.
O sistema financeiro tem como uma das suas principais funções ser um agente que capta recursos de pessoas superavitárias e empresta para as pessoas deficitárias. A conseqüência dessa relação é o consumo das famílias e os investimentos das empresas. Isso mostra que a educação financeira deve tratar das relações econômicas entre as pessoas e organizações.
Educação não deve atratar apenas de orçamento familiar
Para as crianças, a educação financeira não deve ser tratada apenas como um instrumento de equilíbrio do orçamento familiar. Segundo Paulo Freire, “educar é impregnar de sentido o que fazemos a cada instante”. A educação financeira deve servir para formar cidadãos conscientes não apenas em relação ao controle orçamentário, mas sim, criar pessoas que questionem os hábitos e comportamentos arraigados e que impactam o planeta hoje e nas gerações futuras.
Isso significa que educar financeiramente as crianças engloba ajudá-las a refletir sobre os hábitos de consumo da sociedade, sobre o destino das poupanças geradas e sobre as prioridades de investimentos públicos e privados. O uso do dinheiro e dos produtos financeiros, dessa forma, assume seu papel de instrumento no processo econômico e social. Instrumento fundamental ao bem-estar das pessoas, mas que não pode prescindir da reflexão ampla ligada às relações econômicas nas quais o dinheiro, o crédito e a poupança estão inseridos.
Educar financeiramente as crianças não é uma tarefa trivial. Esperamos que as iniciativas que já existem e aqueles que ainda virão dêem conta da missão real da educação: formar cidadãos conscientes quanto ao seu papel e quanto ao impacto das suas decisões e escolhas para a vida em comunidade.
Ensinar a controlar a mesada é instrumento. Questionar seu propósito e significado é educar financeiramente com cidadania.
(IG – Fábio Moraes, diretor de educação corporativa da Febraban)