É o que defende especialista Cássia D’Aquino, para quem a mesada ou semanada não deve estar condicionada ao bom comportamento dos filhos
A cena se repete em várias lojas. Crianças, às vezes bem pequenas, choram para que os pais comprem determinado brinquedo, que nem sempre é barato. Alguns adultos se mantêm firmes, outros acabam cedendo aos apelos dos filhos. Ensinar às crianças o valor do dinheiro não é fácil, mas é possível e necessário, como explica Cássia D’Aquino, especialista em educação financeira.
“As crianças começam a pedir para os pais comprarem coisas cada vez mais cedo, porque elas observam situações de consumo. Elas sabem que existe uma coisa chamada ‘dinheiro’, e que com ela os pais compram brinquedos coloridos e guloseimas. Alguns pais se deixam manipular e até estimulam essa prática, mas a maioria tem consciência das consequências disso. Com dois anos, dois anos e meio de idade a criança já é capaz de entender noções bem simples sobre dinheiro, e esse processo de aprendizado dura pelo menos 20 anos. Não existe fórmula mágica, é importante que se tenha clareza de que nada supera o exemplo dos pais. Se os filhos estão se comportando de determinada maneira, temos que ver como a família se comporta. A dor e a delícia de ter filhos passa pelo fato de admitir que você é responsável por eles”, diz Cássia.
Apresentar cédulas e moedas é o primeiro passo para inserir a criança no universo do dinheiro, recomenda a especialista. Ensinar que se deve ter cuidado com as cédulas, não molhar e não riscar também é importante. “Ao mesmo tempo que o pai e a mãe mostram o dinheiro, podem ensinar que existem compras prioritárias e que nem sempre podemos ter o que queremos, na hora que desejamos. As crianças devem participar da lista de compras do mercado, ajudar os pais olhando a despensa para ver o que está faltando. Observar que a família faz uma lista de compras é importante, mostra que existe planejamento, é diferente de chegar ao mercado e jogar qualquer coisa no carrinho. Existem outras boas estratégias, como explicar o conceito de caro e barato, o que leva a criança a entender que existem categorias de objetos, e que o uso do dinheiro exige racionalidade”, ressalta.
E será que a mesada é uma boa ideia? Na opinião da especialista, sim, mas só deve ser dada a partir dos 11 anos de idade. Antes disso, é melhor optar pela semanada. “As crianças só adquirem capacidade de abstração depois dos 10 anos de idade. Antes disso, elas não conseguem entender o que é um mês, por exemplo. Com a semanada, se o filho cometer algum erro na administração, ainda terá tempo para corrigir na semana seguinte. Os pais devem ficar atentos para não condicionar a mesada/semanada ao bom comportamento ou à ajuda nas tarefas domésticas. Temos que ajudar em casa porque devemos dividir as tarefas, e não por dinheiro. Por outro lado, é interessante pedir ajuda aos filhos para que realizem tarefas como lavar o carro ou dar banho no cachorro, por exemplo, e pagar por isso, pois são atividades que demandam um custo de fato. A família pode fazer uma tabela de preços para o filho escolher o ‘trabalho’’’, sugere.
Cássia não concorda com a ideia de que as crianças estão ficando mais consumistas. “Um pai me falou certa vez que a filha só gostava de roupa de marca. Perguntei onde ela via essas roupas, e ele respondeu que a família costumava ir sempre ao shopping. Nas últimas décadas, com o aumento de demanda do mercado de trabalho, os pais têm menos tempo de ficar com os filhos. E, quando o fazem, levam as crianças para passear no shopping. Ou seja, o prazer de estar junto com a família está associado ao prazer de consumir. A consequência disso é que as crianças não criam o hábito de poupar, e isso é perigoso, porque com o aumento da expectativa de vida, elas vão precisar de dinheiro por mais tempo. Os adultos de hoje deveriam estar poupando, mas não é o que vemos”, alerta.
Para a especialista, a escola pode ser uma grande aliada na educação financeira das crianças. “As instituições de ensino podem estimular o espírito crítico dos alunos, além de apresentar conceitos de economia. Mas cabe aos pais a maior responsabilidade nessa tarefa”, completa.
Educação fiscal para adultos
Desde 1996, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) mantém um programa de educação fiscal com foco na capacitação de professores e servidores públicos. O objetivo é que eles sejam multiplicadores das informações sobre tributação, explica Valeria Ferrari, coordenadora da Divisão de Educação Fiscal da Escola de Administração Fazendária (Esaf). “Quando o programa começou, era voltado apenas para o combate à sonegação de impostos, mas depois se percebeu que era fundamental falar sobre a aplicação dos recursos públicos. Muita gente não sabe que 50% do IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) fica no município onde o carro foi emplacado, que 25% do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços) das compras fica no município onde foi emitida a nota. Saber essas e outras coisas sobre impostos é importante para que possamos exercer a cidadania de forma plena”, ressalta.
E existe diferença entre educação financeira e educação fiscal? Sim, explica a coordenadora. “A educação financeira é um segmento da educação fiscal. Quando os indivíduos consomem de forma irresponsável, precisamos de mais recursos para recolher o lixo, além do impacto óbvio na natureza. Essa dinâmica deve ser ensinada para as crianças desde cedo. Após fazer o curso, os professores desenvolvem projetos nas escolas, ensinando o que aprenderam. Se o vereador ou deputado diz que vai dar aumento, já saberemos que ele está mentindo. Se ele quer dar dentadura para os eleitores, vamos questionar porque o candidato está fazendo isso. A educação nos faz refletir”, ressalta.
A capacitação é oferecida duas vezes por ano, gratuitamente, e as inscrições estão abertas no site da Esaf. O curso tem 160 horas de duração, é ministrado a distância e qualquer pessoa maior de 18 anos de idade pode participar.
(Globo.com)