Governo espera que mudanças no sistema de aposentadorias sejam definidas até o próximo mês, mas falta de consenso sobre nova fórmula impede soluções.
Com a aplicação da fórmula, trabalhadores seguem na ativa por mais tempo para garantir integralidade. O próximo mês deverá ser decisivo para o futuro dos trabalhadores brasileiros que dependem da previdência pública. O governo federal marcou setembro como a data limite dos debates com as centrais sindicais para decidir a substituição do chamado fator previdenciário, que reduz o valor do benefício em até 40% para quem já possui condições para pedir a aposentadoria, mas é considerado jovem demais para deixar de trabalhar.
Atualmente, a principal vantagem do fator para o governo é a redução de gastos da previdência. Desde que foi criado, em 1999, até o ano passado, o mecanismo representou uma economia de R$ 31 bilhões para os cofres federais. A previsão para 2011 é de R$ 9 bilhões.
Se não houver um consenso até setembro, o Executivo deverá fazer uma proposta própria e a encaminhará ao Congresso Nacional. Essa foi a decisão anunciada no começo de julho pelo ministro da Previdência, Garibaldi Alves, que afirmou que recomendaria a medida à presidente Dilma Rousseff.
As propostas para acabar com o limitador das aposentadorias estão em discussão desde 2008, quando o senador Paulo Paim (PT-RS) criou o projeto de lei 3299/08, que tratava do tema. No ano passado, em maio, o Congresso Nacional aprovou o fim da fórmula através de emenda do deputado Fernando Coruja (PPS-SC). A lei acabou vetada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas foi aberta uma negociação para encontrar um substituto.
Na época, a solução mais cotada era a chamada fórmula 85/95, incluída no substitutivo apresentado pelo relator do projeto 3299/08, o deputado federal Pepe Vargas (PT-RS). Nesse projeto, as mulheres poderiam se aposentar quando a soma da idade e do tempo de contribuição chegasse a 85, e os homens, a 95. No entanto, segundo o ministro da Previdência, essa fórmula já está superada, e novas discussões buscam encontrar um consenso.
A Central Única dos Trabalhadores (CUT) ainda defende o uso da fórmula 85/95. De acordo com Celso Woyciechowski, presidente da CUT-RS, outro benefício que ela traz ao trabalhador é a elevação da aposentadoria paga através da exclusão de 40% das menores contribuições do trabalhador no cálculo do benefício. Hoje, são excluídas apenas 20%, e o valor recebido reflete a média de 80% das contribuições. “Com esse corte maior, a média do cálculo para a aposentadoria também subiria”, lembra.
Outros sindicalistas defendem simplesmente o fim do fator previdenciário. A União Geral dos Trabalhadores (UGT) e a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) são contra a fórmula 85/95. O presidente da Central Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), Antônio Neto, propôs 80/90.
O presidente da Força Sindical-RS, Cláudio Janta, também defende que há espaço para reduzir ainda mais a idade mínima para aposentadoria. No entanto, o sindicalista defende que o foco das discussões deva ser o fim do fator previdenciário. “A cada dia ele vem afastando mais trabalhadores da aposentadoria, obrigando pessoas que já deveriam aproveitar seu benefício a buscar uma fonte de renda alternativa para completar renda, ou forçando que trabalhem mais anos do que deveriam para ter um sustento decente”, comenta.
Já para o deputado Pepe Vargas, as alternativas ao 85/95 não são viáveis, e atrasam a solução do problema. O parlamentar lembra que, desde 2009, o governo deixou claro que não aceita a proposta 80/90 porque ela reduziria a idade média de aposentadoria no Brasil, que hoje está em 53 anos. “Tudo isso já foi colocado na mesa de negociação. Então sou pragmático, a possibilidade que temos de conseguir um ganho para o trabalhador é somente através da 85/95”, afirma.
Caso o consenso não seja encontrado, o governo poderá apresentar uma proposta defendida por alguns de seus setores, em que a exigência de idade seria retirada, mas o tempo de contribuição seria aumentado e igual para homens e mulheres. Mas essa ideia enfrenta fortes resistências. “Tenho dito que isso é inegociável”, afirma o senador Paulo Paim.
De acordo com Paim, a previdência brasileira teria condições de bancar um aumento nas despesas provenientes do fim do fator previdenciário. “Está desmistificado que ela é deficitária, senão não teriam como desonerar a folha de empresas como aconteceu agora”, comenta o senador, citando uma medida do plano industrial do governo divulgado recentemente. Quatro setores (confecções, calçados, móveis e softwares) deixarão de recolher 20% sobre a folha de pagamento para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Em seu lugar, uma nova contribuição incidirá sobre o faturamento líquido das empresas – de 1,5% para confecções, calçados e móveis e 2,5% para softwares. A medida vigorará até o fim de 2012.
Para o senador, a mudança é necessária por uma questão de justiça social. “Os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, em que o teto de salário é de R$ 27 mil, não tem fator, seus funcionários se aposentam com salário integral. Não é justo que o trabalhador do regime geral da previdência, que é quem mais contribui, tenha um redutor em sua aposentadoria”, afirma.
Pacote de medidas na contabilidade da Previdência Social acompanharia fim do redutor
O fim do fator previdenciário faria parte de um pacote mudanças na contabilidade da Previdência Social, a fim de encontrar uma solução para os problemas de déficit enfrentados há muito tempo na área. O governo quer cortar, por exemplo, pensão dada à família de segurado que não tenha contribuído pelo menos 12 meses para a Previdência. Viúvos e viúvas com menos de 35 anos também receberiam pensão por um prazo limitado, de dez anos, e não pela vida inteira como é hoje.
No entanto, a proposta que deve ter maior influência nas contas governamentais é a que prevê que o resultado no setor rural passe a ser contabilizado em separado da previdência urbana. Hoje, o Ministério da Previdência faz essa distinção, mas o Tesouro Nacional não. A importância da medida deve-se à diferença de resultados entre os sistemas.
Em 2010, a previdência do setor urbano fechou o ano com superávit de R$ 14,9 bilhões, 77% a mais que em 2009. A receita foi de R$ 212,6 bilhões e a despesa com pagamento de benefícios, de R$ 197,7 bilhões. Já no campo a situação é inversa. A previdência rural registrou déficit de R$ 52 bilhões no ano passado. A arrecadação foi de R$ 4,9 bilhões, apenas 0,3% maior que a registrada em 2009. Porém, as despesas com pagamento de benefícios foram de R$ 55,3 bilhões, um crescimento de 7,3% sobre os gastos do ano anterior. Com isso, o resultado conjunto da Previdência Social em 2010 foi de déficit de R$ 44,3 bilhões.
Em 2011, apenas de janeiro a maio, o sistema urbano teve superávit de R$ 4 bilhões. Esse segmento vem apresentando bom desempenho graças ao aumento do emprego formal e aos ganhos salariais impulsionados pelo crescimento da economia. No rural, porém, a conta foi deficitária em R$ 21,8 bilhões, o que resultou num déficit do sistema de R$ 17,8 bilhões. A maior parte dos aposentados no setor rural contribuiu pouco ou nada para o sistema, diferente dos segurados da área urbana.
Pela proposta do governo, ficaria com a área da Fazenda a maior renúncia de receitas previdenciárias, a do Simples Nacional. As micro e pequenas empresas inscritas no programa recolhem menos INSS do que fariam se estivessem no regime contábil tradicional. Microempresas na área de comércio, por exemplo, quitam todos os tributos recolhendo 4% de seu faturamento. O Simples produziu uma renúncia de receitas previdenciárias de R$ 4,7 bilhões de janeiro a maio deste ano.
(Jornal do Comércio)