Os efeitos da crise internacional sobre os valores das aposentadorias são algo que faz pensar e, diga-se, essa nem de longe é uma preocupação apenas brasileira. Pelo contrário. Foram muitos, no mundo, nas últimas semanas, especialmente nos Estados Unidos, os relatos de pessoas que perderam partes substanciais de suas reservas e, por conta disso, sentem-se agora obrigadas a adiar a decisão de se aposentar. Não por acaso, portanto, as autoridades norte-americanas foram obrigadas há um mês a desobrigar empresas patrocinadoras de planos e os próprios pension funds de obedecer a regras que as atuais dificuldades econômicas e financeiras tornaram praticamente impossíveis de cumprir. Esse quadro definitivamente não se repete no Brasil.
De fato, ainda que a crise imponha cuidados especiais e efeitos dos quais nem sempre seja possível escapar totalmente, a verdade é que o quadro no Brasil é diferente. E isso em boa parte porque as normas brasileiras, e não apenas o profissionalismo e a competência dos gestores, favorecem a pulverização dos riscos entre um maior número de diferentes ativos. É verdade que a política de distribuir os ovos em várias cestas não impediu que, segundo estimativas, os fundos de pensão tenham chegado ao final do ano passado com uma rentabilidade negativa de 0,75%, contra uma necessidade atuarial de (INPC+6%) 12,9%. Tampouco livrou-os de uma involução de R$ 20 bilhões em seus patrimônios, considerando que em dezembro de 2007 já haviam chegado aos R$ 435 bilhões e um ano mais tarde cairam a R$ 415 bilhões. Mas mesmo esses números, ainda que devam ser lamentados, podem ser recuperados e de forma alguma traçam um paralelo com situações bastante mais complexas vividas nas economias desenvolvidas.
Há muito mais, além da maior distribuição dos riscos, para explicar a sem dúvida bem sucedida trajetória dos fundos de pensão brasileiros. Podem ser citados, sem medo de errar, a excelência na gestão e o uso competente do que há de mais atual em termos de técnicas de controle, além de uma governança evoluída. Especialmente esta última abre o caminho a políticas consertadas em um ambiente que favorece a convergência de talentos e onde há espaço para uma discussão saudável, tudo isso significando que os erros ficam mais difíceis de acontecer e, se ocorrem, podem ser mais facilmente corrigidos.
Foi essa conjunção de aspectos positivos na gestão que permitiu aos fundos de pensão acumular, desde 1995 até o final do ano passado, uma rentabilidade de 1.063%, praticamente o dobro da necessidade atuarial exigida de 543% nesses mesmos 13 anos. Lembrando que nesse período de quase uma década e meia o mundo e, em alguns casos, particularmente o Brasil, foram igualmente sacudidos por vários momentos de profunda instabilidade e mudanças nos paradigmas: implantação do Plano Real (94), crise na Ásia (97), moratória russa (98), desvalorização do Real (99), estouro da “bolha da Nasdaq” (2000), eleições presidenciais brasileiras (2002) e a crise atual (2008). E os fundos brasileiros passaram com louvor por todos esses obstáculos.
Isso é o que importa, porque dizem repetidamente os especialistas que os resultados dos fundos de pensão só podem ser avaliados no longo prazo, uma vez que tradicionalmente o processo de acumulação de reservas se estende por várias décadas.
Mesmo a involução patrimonial, ocorrida no segundo semestre de 2008, não pode ser tida como uma perda irrecuperável, até porque os fundos de pensão, gestores cuidadosos de reservas pertencentes a mais de 6 milhões de trabalhadores e seus familiares, estão posicionados na renda variável em ações de empresas que estão entre as estrelas do universo empresarial brasileiro. Por brilharem no pregão da Bolsa, são muito grandes as chances de uma recuperação tão logo comecem a surgir no horizonte sinais de que a atual fase será superada.
São em geral não apenas ações das melhores empresas, mas é preciso atentar ainda para o fato de que muitas delas representam participação no grupo que controla a companhia. Como tais papéis têm um valor próprio que em parte independe do seu preço no pregão, é fácil concluir que ainda poderão dar muitas alegrias aos seus possuidores.
Sem esquecer que, ao contrário dos pension funds norte-americanos e europeus, os fundos brasileiros praticamente só investem no mercado interno, reduzindo drasticamente as suas chances de contaminação pela crise internacional. Simplesmente não existem investimentos diretos no Exterior. As normas autorizam apenas aplicações residuais por intermédio de fundos multimercados, mas mesmo essa porta apenas entreaberta praticamente não foi atravessada pelos gestores brasileiros.
A crise, cujas manifestações muitos brasileiros só conhecem agora, vinha sendo há algum tempo monitorada e tendo seus efeitos mais prováveis antevistos pelos gestores, que prudentemente anteciparam medidas acauteladoras.
É reconhecido que crises trazem consigo não apenas desafios, mas também oportunidades. É nessa perspectiva que os dirigentes brasileiros de fundos de pensão avaliam o que será preciso fazer ao longo deste ano para ultrapassar os obstáculos e aproveitar as boas chances que os mercados seguramente estarão oferecendo nos próximos meses. Apoiados nos superávits acumulados, ao mesmo tempo que numa gestão serena e competente, os gestores sentem-se com todas as condições de enviar uma mensagem de tranquilidade aos milhões de trabalhadores participantes de planos através do País, certos de que os fundos brasileiros estarão ainda mais sólidos quando essa crise passar. (Abrapp)