Uma luz vermelha que há muito alerta mas pouco mobiliza: quase 5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro é utilizado apenas para bancar a previdência dos servidores públicos nos três níveis de governo (Executivo, Legislativo e Judiciário). Para que haja uma percepção mais direta do problema, no Brasil os gastos ultrapassam o dobro da média registrada (2% do PIB) pelos 30 países mais industrializados da economia de mercado, que compõem a Organização para Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). O espanto vai além, quando comparada a taxa aos índices de um grupo de 26 nações em desenvolvimento, cuja despesa previdenciária com o funcionalismo representa 1,5% do PIB.
Isso traduzido em valores significa que somente em 2011, a União contabilizou um déficit do regime próprio de previdência para aproximadamente 1 milhão de servidores federais de cerca de R$ 56 bilhões, em paralelo aos R$ 36,5 bilhões negativos do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) que atende pouco menos de 30 milhões de brasileiros do setor privado – resultados que levam em conta o desembolso havido com o pagamento de profissionais inativos versus contribuição previdenciária.
No princípio, haverá pressão no caixa, mas congelará o aumento do déficit provocado pela aposentadoria integral
É urgente a avaliação e discussão desses indicadores, que constam na carta publicada pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV) no início deste ano, intitulada “O momento é oportuno para o Fundo de Pensão dos Servidores Públicos”.
Justamente no momento em que o Congresso Nacional aprova e a presidente Dilma sanciona a criação do Fundo de Previdência Complementar do Servidor Público Federal (Funpresp), o texto do Ibre faz um alerta sobre a bomba-relógio já armada uma vez que até 2015 aproximadamente 40% dos servidores públicos estarão aptos a se aposentar pelo sistema atual, que garante benefícios próximos ao último salário integral.
A criação da Funpresp, vale ressaltar, é ideia que se arrasta há quase 14 anos, desde a emenda constitucional de 1998. O Projeto de Lei nº 1.992/2007 tramitou em regime de urgência no Congresso, cumprindo o sinal de prioridade máxima anunciado pelo governo de Dilma Rousseff. Mudanças introduzidas pelos parlamentares, que podem comprometer o equilíbrio do novo fundo deverão ser revisadas logo que possível. O novo modelo de aposentadoria para o funcionalismo deve criar em até 180 dias os fundos de previdência complementar para as três esferas do poder público federal, que entrarão em vigor tão logo o órgão regulador de fundos de pensão aprove a sua constituição.
Somente a partir de então é que os servidores poderão ser contratados com base na nova legislação, que estabelece o mesmo teto de aposentadoria dos trabalhadores da iniciativa privada, hoje de R$ 3.912,20, uma bandeira, aliás, que o Movimento Brasil Eficiente (MBE) vem levantando nos últimos dois anos, juntamente com ajustes na complexa estrutura tributária do país, práticas mais transparentes na cobrança de impostos e a busca de mais eficiência na gestão e nos gastos públicos.
Por meio da definição de teto único de benefícios fixado pelo RGPS, vislumbra-se a isonomia no tratamento entre trabalhadores do setor público e da iniciativa privada, criando a oportunidade ainda do fundo de pensão complementar incrementar as aposentadorias dos servidores federais. Todos aqueles que hoje estão na ativa continuarão com o regime vigente, o que deixa clara a natureza de um projeto que trará, sim, benefícios ao país, mas no médio e longo prazos.
Reforma é importante avanço institucional, imprescindível, ainda que impactante. Mudanças em práticas cristalizadas assustam, mas demonstram olhar estratégico e sabedoria em lidar com cifras desordenadas que vêm alimentando o gigante da previdência. Eventuais ajustes e mobilizações por parte dos futuros servidores enquadrados no novo sistema parecem preocupações irrisórias perante a possibilidade única de removermos uma verdadeira barreira ao equilíbrio das contas públicas do país.
Vários estados, a exemplo de São Paulo, e municípios, já criaram fundos de previdência complementar para os seus servidores, nos moldes deste projeto da União. Que os demais entes federativos sigam esses exemplos. A expectativa pela vigência do Funpresp é grande e ninguém deveria se opor a ela, já que é medida necessária – e urgente – para evitarmos mais uma explosão na previdência. Até porque, ao final, não ocorrerão perdas, desde que a percepção seja coletiva. Os novos entrantes no serviço público vão ter a mesma condição dos simples mortais de toda a sociedade brasileira, e ela é quem continuaria prejudicada se o regime atual não mudasse.
Ressalte-se que o Funpresp tornou-se porto-seguro para a reorganização do Brasil. É caminho sem volta e passo importantíssimo para o crescimento de todo o país. Quando implantado, representará o maior fundo de pensão da América Latina – uma esperança de equilibrar o cenário previdenciário caótico diagnosticado nos tempos atuais, alvo já almejado pelos três últimos presidentes da República no Brasil.
A alteração do modelo, no princípio, provocará uma pressão adicional no caixa, que terá que ser equacionada, mas, em contrapartida, congelará a progressão desencadeada pela grande vilã que é a previdência integral bancada pelo orçamento da União. Além de promover, no longo prazo, um alívio nos cofres públicos, ao projetar uma luz – não tão instantânea, mas potente – sobre o orçamento nacional, possibilitará também abertura para investimentos em outras áreas que suplicam por atenção. O ano de 2012 tem tudo para darmos um xeque-mate em uma das maiores mazelas do país, construindo bases para um crescimento acelerado e sustentável.
Carlos Rodolfo Schneider é vice-presidente da Ciser, de Joinville (SC), e coordenador do Movimento Brasil Eficiente (MBE).
(Valor Econômico)