A Secretaria de Previdência Complementar do Ministério da Previdência (SPC) não deu conta de implementar, em 2008, todas as ações de fiscalização direta que programou para o mesmo ano. De um total de 174 pretendidas, foram iniciadas 158 (90,8%) e concluídas 140 (80,5%), segundo relatório da própria SPC, que fiscaliza as entidades fechadas de previdência complementar (EFPC), popularmente conhecidas como fundos de pensão. Quem acompanha mais de perto a atuação e a história do orgão tem motivos para supor que não houve falta de empenho. Já apontada pela Controladoria Geral da União (CGU), a falta de uma estrutura adequada à missão de tamanha relevância certamente está por trás dessa frustração de meta.
A curto prazo tal inadequação pode não representar maiores riscos, até porque a SPC aprimorou muito seus mecanismos de fiscalização indireta. Reconhecido o caráter excepcional do que ocorreu no quarto trimestre de 2008 (quando a crise internacional fez despencar preços de ações e de outros ativos), a rentabilidade obtida pelos fundos de pensão nos últimos anos indica que, apesar de sua débil estrutura, a secretaria está conseguindo cumprir a parte que lhe cabe na proteção da poupança dos 2,5 milhões de brasileiros que contribuem ou já usufruem do sistema de previdência complementar fechado (existe, ainda, o aberto, aquele dos PGBL, VGBL, Fapi, que nada tem a ver com os fundos de pensão).
Ainda assim, está passando da hora de o poder público federal ter uma estrutura diferente e melhor de fiscalização, realmente adequada ao cenário de crescimento das EFPCs, que jã são 372, administrando cerca de mil planos de benefícios e R$ 442 bilhões em ativos (dado de dezembro). Diante do limitado, mas necessário, teto do valor dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social e da regulamentação da previdência associativa (fundos ou planos instituídos por iniciativa de sindicatos, por exemplo), entre outros fatores, é crescente o interesse de trabalhadores da classe média pela previdência complementar fechada, na esperança de contar com melhor renda na velhice. Contribui para a tendência a expectativa que, mais cedo ou mais tarde, como já reconheceu o governo, o RGPS terá que passar por nova reforma, por causa da mudança do perfil demográfico do país.
Uma nova e mais poderosa estrutura de fiscalização do poder público sobre as EFPC é justamente o que prevê o projeto de lei 3.962/2008, que cria a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc). Apresentado pelo Executivo e já aprimorado pela Comissão de Seguridade Social, o texto, em princípio, ainda precisa passar por outras comissões da Câmara dos Deputados. Mas, como propõem pelo menos dois requerimentos, merece receber o selo de urgência, ir direto para apreciação do plenário da Casa e entrar na lista de prioridades de votação, redefinida a cada semana pelos acordos entre as líderanças (partidárias e do governo).
Tomando emprestado uma expressão popular, substituir a SPC pela Previc não seria, de jeito nenhum, “trocar seis por meia dúzia”, nem que estivesse na pauta do governo (não está) a opção de dotar a atual secretaria de mais recursos. A Previc será uma autarquia, algo que, no direito administrativo, é muito diferente de um mero orgão público, como é a SPC. Ao contrário dos orgãos públicos que, no caso federal, são apenas braços da pessoa jurídico-política União, as autarquias têm personalidade jurídico-administrativa própria. Portanto, podem ter patrimônio e receitas próprias. Isso lhes permite ter autonomia financeira e administrativa, o que inclui mais flexibilidade para contratar e gerir quadro de pessoal, por exemplo.
A receita própria da Previc virá da Tafic, taxa de fiscalização quadrimestral a ser paga pelas entidades fiscalizadas e que vai variar conforme o volume de recursos administrados. É uma cobrança justa, pois concentra no grupo beneficiado (participantes e assistidos de fundos de pensão) o ônus de bancar o custo da indispensável supervisão sobre o trabalho dos gestores das EFPCs. Estimativas da SPC (que continuaria a existir apenas como orgão elaborador de políticas públicas para o setor) indicam que a Tafic proporcionará arrecadação de, pelo menos, R$ 33 milhões por ano a preços de 2008. No ano passado, a secretaria teve apenas R$ 1 milhão, embora suas dotações no orçamento fiscal e da seguridade social – objeto de contingenciamento pelo Tesouro Nacional – fossem de R$ 6 milhões.
A enorme diferença de cifras é um indicador do quanto pode ser potencializado o poder de fiscalização sobre as EFPC. As autarquias não necessariamente são imunes a contingenciamentos orçamentários determinados pelos ministérios da Fazenda e do Planejamento, pois isso já ocorreu no passado, em caráter excepcional, para ajudar na composição do superávit fiscal primário. Mas não é praxe bloquear o uso de receitas próprias dessas entidades da administração pública, até porque esse dinheiro não pode ter outra destinação, não entra no saldo da conta única do Tesouro Nacional e, embora possa contribuir contabilmente para o resultado fiscal primário, não serve para pagar juros da dívida federal.
A autonomia financeira não é a única vantagem da Previc sobre a SPC. Busca-se também estabilidade institucional, via formação de quadro próprio e especializado de pessoal. A SPC conta com gente qualificada e concursada, mas majoritariamente emprestada por outros orgãos ou autarquias, como Receita Federal e Banco Central, portanto, sujeita a ser chamada de volta a qualquer momento. Excluindo terceirizados e estagiários não estatutários, a SPC contava, no fim de 2008, com 172 pessoas, das quais só 37 do quadro próprio da secretaria. Corrigindo omissão do governo, por proposta do relator, deputado Chico D´Angelo (PT-RJ), o projeto que saiu da Comissão de Seguridade Social da Câmara dá mais estabilidade institucional à Previc ao prever mandato para seus diretores. Seria bom que essa condição essencial de autonomia permanecesse na versão final da lei. (Valor)